sábado, 17 de maio de 2008



DESTE JEITO NÃO DÁ
ANDRÉA LEAL E RICARDO MENDONÇA
REVISTA ÉPOCA-28 de abril de 2008


DESCASOLixo acumulado na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro. A sujeira nas ruas contribui para a proliferação do mosquito da dengue
A experiência de Cingapura com a dengue é carregada de exemplos positivos que poderiam ser aproveitados pelo Brasil. O pequeno país do sudeste da Ásia sempre sofreu com a doença. Ela atingiu proporções epidêmicas em 1973, 1986 e 1992, e mesmo fora dos anos de pico o número de casos sempre foi alto. Na década de 70, o governo começou a implantar políticas de combate à doença baseadas em três frentes: eliminação de focos de larvas do Aedes aegypti, educação e punição aos cidadãos negligentes. Depois de mais um surto, no fim dos anos 90, o governo aumentou o valor da multa para donos de imóveis onde houvesse água parada. Conseguiu reduzir em 74% os registros da doença de 1998 para 1999. O problema parecia resolvido, mas o impacto das multas foi efêmero. Os registros da doença foram subindo aos poucos até atingir níveis extremamente preocupantes em 2005, ano que ficou conhecido como o de pior surto de dengue no país. Foi então que a postura mudou genuinamente.
Na semana passada, os brasileiros receberam mais uma avalanche de más notícias relacionadas à doença. O Estado do Rio de Janeiro, que já tem mais de s 110 mil registros desde o início do ano, bateu seu recorde histórico de mortes por dengue. De janeiro a abril, o número de óbitos chegou a 92, superando o total registrado em 2002, o pior ano da história até então. O Ceará decretou estado de alerta devido ao aumento de casos de dengue hemorrágica. Em 2007 foram 298 casos. Agora, só nos primeiros quatro meses, já há 109 registros. Na Paraíba e em Pernambuco, duas crianças morreram por dengue hemorrágica. Em Sergipe, as notificações até abril já superam em 1.200% os casos observados no mesmo período de 2007. Sete pessoas morreram em decorrência da doença.
Por que o Brasil não aprende?
A resposta, segundo os especialistas, é tão simples que chega a humilhar: falta ação efetiva do poder público, falta dar uma pequena espiada nos bons exemplos internacionais. “Combater a dengue é trabalho de formiguinha, tem de ser o tempo todo, todo dia, 12 meses por ano. E o Brasil nunca teve isso”, afirma o médico Luiz Jacintho da Silva, professor titular da Unicamp que atualmente trabalha num laboratório privado na Itália. “Quando há surto de casos num ano, a atuação melhora um pouco no período seguinte e os casos caem. Então há um relaxamento e os índices voltam a subir no ano seguinte. Quantas vezes já não vimos a repetição dessa história?”
O exemplo mostra que se os governantes brasileiros tivessem cuidados básicos, como investir em saneamento e coleta de lixo, a proliferação do mosquito transmissor seria bem menor. A foto da página anterior é uma amostra do descaso das autoridades com o assunto no Rio de Janeiro. Trata-se de um lixão a céu aberto no populoso bairro da Vila Cruzeiro, na capital do Estado. Quantos mosquitos não podem ter sido criados nesse berçário de larvas?
Outro exemplo que poderia ser estudado pelo Brasil é o de Porto Rico, Estado associado aos Estados Unidos que passou por duas fortes crises de dengue na década de 90: 20 mil casos em 1994 e 14 mil casos em 1998. Lá, a estratégia foi centrada em educação e no treinamento de médicos e agentes de saúde. Em todas as semanas do ano, principalmente fora do período de maior risco, os médicos de hospitais públicos são instruídos a fazer exame de sangue em pacientes que apresentem sintomas parecidos com os da dengue. Dessa forma, é possível detectar e combater possíveis focos antes do verão. Outra medida: todos os hospitais e clínicas particulares têm o número de leitos e profissionais de saúde cadastrados num sistema de informática. No caso de epidemia, os centros de saúde atualizam diariamente essa estatística. Assim, quando falta um leito num hospital, o poder público providencia prédios para serem usados como hospitais temporários e deslocam médicos de acordo com a necessidade.
Para não dizer que falta ao Brasil qualquer iniciativa criativa de combate a dengue, um pequeno município no interior de São Paulo, chamado Adolfo, resolveu dar o exemplo. Em fevereiro, a Prefeitura implantou um projeto de distribuição gratuita de acesso à internet rápida e condicionou o benefício ao engajamento das pessoas no combate à doença. Se uma casa for flagrada com potenciais criadouros, como vasos com água parada ou pneus abandonados, o morador perde o acesso. “Os adolescentes viraram nossos melhores fiscais”, diz o prefeito João Boca. Neste ano, houve apenas um registro de dengue na cidade.

Comentário:

Os autores são críticos quando comparam as políticas de saúde do Brasil, em relação ao combate à dengue, com as de Cingapura e Porto Rico. Descrevem as medidas implantadas por estes países, e planos a curto e longo prazo como forma de manter o governo e a população em constante vigília. O que não acontece no nosso País, onde tanto o governo quanto a maior parte da população são negligentes quanto às medidas preventivas: educação, saneamento básico, compromisso com a limpeza...
Os brasileiros sempre deixam tudo para se resolvido na última hora e, não haveria de ser diferente no combate a dengue: só lembram que esta doença existe quando a mídia traz uma avalanche de más notícias relacionadas à mesma. Infelizmente continuam inertes enquanto a doença acomete o outro e, quando cai sobre sua cabeça ou dos seus, acorda para a realidade e descobre que não está imune.
Também dão exemplo da criatividade do município Adolfo no interior de São Paulo: a cidade combate a dengue oferecendo internet grátis, o que torna os jovens bastante vigilantes em qualquer lugar em que estejam. Embora o correto fosse as pessoas agirem naturalmente em razão da proteção de sua saúde, esta moeda de troca foi a solução encontrada para beneficiar ambas as partes.