domingo, 16 de março de 2008

Escassez de Ética

VEJA- Escassez de ética: 19 de março de 2008
Entrevista: Marcílio Marques Moreira
Por Otávio Cabral:
O embaixador Marcílio Marques Moreira está na vida pública há cinqüenta anos e onze presidentes. Foi assessor especial do Ministério da Fazenda no governo João Goulart, ministro da Fazenda do governo Collor e, até o mês passado, presidente da Comissão de Ética Pública no governo Lula – órgão responsável pela análise da conduta dos altos funcionários da República. Uma de suas últimas ações foi apontar o conflito de interesses que havia no fato de Carlos Lupi acumular o cargo de ministro do Trabalho e a presidência do PDT. O embaixador recomendou que ele abandonasse um dos postos. De início, o ministro não só não lhe deu ouvidos como ainda recebeu o apoio incondicional do presidente Lula. Depois acedeu. Mas, desapontado, Marcílio deixou a comissão antes. O embaixador diz que o episódio, além de revelador da fragilidade dos princípios éticos dos governantes, teve um efeito pedagógico. Em entrevista a VEJA, ele não critica diretamente a postura do presidente Lula no episódio, mas diz que a sensibilidade ética não é uma característica marcante dos ocupantes de postos importantes em Brasília, principalmente no Palácio do Planalto.Veja – O senhor deixou a presidência da Comissão de Ética Pública há três semanas, embora seu mandato terminasse apenas em maio. Por que o senhor saiu do cargo abruptamente?Marcílio – Achei que minha contribuição estava esgotada. Fiz tudo o que devia ter feito, e não tinha mais como ajudar porque a atuação da comissão ficou muito "fulanizada". Virou uma disputa minha contra o ministro Lupi, o que era prejudicial à própria comissão. Achei melhor prosseguir na luta pela ética em outros fóruns.Veja – Desde novembro o senhor alertava para o fato de Carlos Lupi ocupar os dois cargos. Na semana em que o senhor deixou o cargo, pipocaram denúncias de favorecimento pelo ministério a entidades ligadas ao partido, o que acabou obrigando o ministro a deixar a presidência do PDT. Foi a prova de que o senhor tinha razão?Marcílio – Sim, foi a demonstração clara do conflito de interesses, uma definição que não é bem compreendida pela classe política. Nós alertamos sobre esse risco não só para evitar desvios, mas também para resguardar a própria autoridade. Esse conceito de ética pública é recente.Veja – O presidente Lula classificou Carlos Lupi como "o mais republicano dos ministros"...Marcílio – Preocupa-me ouvir declarações de autoridades no sentido de que transgressões são rotineiras na vida pública brasileira. Isso é inaceitável e demonstra que a sensibilidade ética é escassa no Palácio do Planalto.

Nenhum comentário: